quarta-feira, 27 de abril de 2011

O estranho

À medida que vou escutando aquele estranho, qualquer coisa muda no interior deste estranho caminhante que eu sou. O estranho deu um novo sentido à minha caminhada.

Quando sentimos as nossas perdas, tudo à nossa volta nos fala delas. As árvores, as flores, as nuvens, os montes e os vales, tudo isso reflecte a nossa tristeza, tudo isso parece chorar connosco...

O estranho não me pede para ser convidado, não pede lugar onde possa ficar. Na verdade, ele age como se quisesse prosseguir viagem. Contudo, insisto para que ele entre, quase o obrigando a ficar comigo... O estranho acaba por aceitar e entra na minha casa para ficar comigo. À partida poderiam pensar que é o estranho que me obriga a partilhar a minha casa, a minha mesa, a minha refeição. Não foi assim... Ele, o meu estranho, quis ser convidado. Se eu o não convidasse, teria prosseguido viagem, em busca de outros lugares.

A menos que eu o convide, continuará a ser um estranho, possivelmente um estranho muito aprazível e inteligente, com quem posso dissertar sobre assuntos interessantes, mas que não deixa de ser um estranho.

Tenho muitas recordações de encontros com pessoas que deixaram o coração em chama mas que não convidei para minha casa. Depois disso, eu costumo dizer aos meus amigos: «ontem conheci alguém verdadeiramente extraordinário.... Era uma pessoa fascinante. Disse coisas tão extraordinárias que eu mal conseguia acreditar no que os meus ouvidos escutavam. Sim, conseguiu ler os meus pensamentos e falou comigo como se me conhecesse há anos... Era uma pessoa surpreendente... :) Contudo, seguiu viagem... não sei para onde!»

Quero com isto dizer que por muito interessantes e inspiradores que todos estes estranhos possam ser, se eu não os convido para minha casa, nada acontece verdadeiramente.
Sem um convite, que é expressão do meu desejo de uma relação sólida, a conversa que ouvi não passa disso mesmo... não produz efeito. Continua a ser uma boa conversa, entre tantas outras, mas não passa disso!

O meu estranho entrou... acomodou-se... passou a ser um estranho amigo! É difícil, sim...

Dou por mim a pensar... porventura serei louco? Porventura quererei abrir assim a minha casa, mostrar as paredes da minha vida íntima? Serei capaz de falar dele e de o apresentar aos meus? Se calhar, deixá-lo tocar nos meus pontos mais vulneráveis é capaz de ser demasiado... deve doer...!
Deixá-lo entrar na "arrecadação" da nossa casa, nessa divisão que eu próprio prefiro manter secretamente fechada à chave é demasiado arriscado. Sinto-me nu!

Arrisco e digo-lhe: «Eu confio em ti, entrego-me a ti, com todo o meu ser, corpo, mente e espírito. Não quero esconder-te segredo nenhum. Podes ver tudo o que eu faço e ouvir tudo o que eu digo. Já não quero que sejas um estranho. Quero que te tornes o meu amigo mais íntimo. Quero que me conheças, não só enquanto caminho pela estrada da vida, com aqueles de quem também gosto, mas também quando me encontro sozinho com os meus sentimentos e pensamentos mais profundos».

Falar assim não é fácil, visto que somos pessoas temerosas, e que não abrimos facilmente todas as partes do nosso ser aos outros. O nosso medo de nos acharmos completamente despidos e vulneráveis é igual ao desejo que temos de conhecer e ser conhecidos. Há certas partes do nosso ser que até de nós próprios as escondemos...

Porém... aqui se aplica a velha máxima: "Amigo não diz para seguires em frente! Amigo vai contigo, calcando juntos a estrada da vida"! E isso... pfff... isso vale mais do que tudo o resto.

d'Ele

3 comentários:

  1. Conhecer estranhos é uma virtude... Contudo há estranhos insignificantes e estranhos significantes...
    A diferença?! Uns marcam, outros não... e esses mesmos estranhos que marcam não precisam de fazer muito para marcar... Podem apenas dizer uma palavra e tudo muda!
    Há estranhos que só pelo que são, deixam de ser estranhos.

    Termino com Augusto Cury
    "Há anos que me pergunto quem sou.
    Quanto mais pergunto quem sou, menos sei quem sou.
    O que penso que sou não é o que sou."

    ResponderEliminar
  2. Hoje voltei a passar por aqui... Este talvez seja dos teus textos, o que mais leio, e sempre que o leio, retiro algo de novo... Surpreendentemente gosto!
    19 de Outubro de 2010. Quando comecei a falar mais contigo. Acho que ainda tenho guardada a primeira sms que me mandaste, num outro telemóvel que não sei bem agora onde está: no entanto, sei perfeitamente o que diz!
    Deixas-te de ser um estranho, para dar lugar a "estranho amigo" (usei esta expressão, porque se enquadra com o texto). Na verdade, a pouco e pouco, dia após dia, sem pressas, foste conquistando um lugar que dou a poucos - melhor amigo! Neste caso, o meu estranho mais íntimo. No decorrer dos dias, foste conhecendo-me com todos os meus defeitos e qualidades. Aceitando-me como sou, e corrigindo os meus erros (ou pelos menos tentando). Tenho vários conhecidos, com quem as conversas não passam muito para lá de um "olá"! Tenho vários amigos, que conhecem o meu lado de sempre bem disposta. Depois tenho uns amigos chegados, com quem partilho várias coisas, mas não conhecem o meu lado pequenino, ia sentir-me "nua"! E por fim, porque os últimos são sempre os primeiros, os meus melhores amigos: 2 e tu és um! Conheces os meus pontos fracos, e as maneiras mais estranhas de me fazer sorrir. Perdi o medo de te expor os meus medos, receios e também alegrias. Conheces-me como se fosses um irmão para mim, como se fosses o "meu irmão mais velho" :D
    Arrisco dizer-te "Podes ver tudo o que eu faço e ouvir tudo o que eu digo. Já não quero que sejas um estranho. Quero que te tornes o meu amigo mais íntimo. Quero que me conheças, não só enquanto caminho pela estrada da vida, com aqueles de quem também gosto, mas também quando me encontro sozinho com os meus sentimentos e pensamentos mais profundos."
    Enfim... e tudo o resto tu sabes!
    Há gente que está na história da história da gente, e não queremos que essa gente saia da história da história da gente! :x

    ResponderEliminar